Atravessando Sonetos de Camões

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
 
Muda-se o ser, muda-se a confiança
 
Tudo, como um todo, é composto de mudança;
 
Diferentes em tudo da esperança
 
Do mal ficam as mágoas na lembrança
 
E do bem, se é que algum houve, saudades.

E afora este mudar-se a cada dia
 
Nada pode tirar-me toda a esperança
 
Que mal me tirará o que eu não tenho?
 
Pois não temo contrastes nem mudanças,
 
Onde esperança falta, lá me esconde
 
Um não sei quê, que nasce não sei onde;
 
Vem não sei como; e dói não sei porquê.

Quando não te vejo perco o siso
 
Quando então te vejo ganho um sorriso
 
Abre-se no âmago a ânsia de intento
 
Por tal formosura do céu a mim descida
 
Satisfazendo-me a todo pensamento
 
Sem que sejas de algum bem entendida.

Tão atrevida pode haver tal língua!
 
Louvar-te venho por tamanho atrevimento,
 
Pois a parte melhor do meu entendimento,
 
Se em teu valor contemplo a menor parte,
 
Logo o engenho me falta, o espírito míngua.

Se quando sonho encontro o paraíso
 
É que nada pode tirar-me qualquer esperança
 
Ao fim, mudar-se-ão os tempos, também as vontades.